No final de 2022, Gana deixou de pagar a sua dívida, uma vez que o governo suspendeu os pagamentos da maioria das dívidas a credores estrangeiros. No início de 2022, o Sri Lanka também entrou em débito quando a inflação derrubou a moeda do país, exacerbando a crise do custo de vida, pois as importações de bens essenciais, como alimentos e remédios, ficaram mais caras.
Este ano, o Paquistão se encontra à beira da inadimplência, já que a combinação de alta inflação e desastres climáticos alimentados por desastres ambientais, devastaram sua economia. A situação do Paquistão é particularmente preocupante, dado que o país é o quinto maior do mundo em população. Outros países como a Zâmbia e o Líbano estão inadimplentes há muito mais tempo.
A alta inflação e o lento crescimento global arruinaram muitas economias pobres, ao mesmo tempo, o aumento das taxas de juros encareceu a dívida. Quinze por cento dos países pobres já estão em sobre-endividamento — quando um país é incapaz de cumprir suas obrigações financeiras e a reestruturação da dívida é necessária — enquanto metade arrisca entrar nele.
Em suma, a economia mundial já se encontra em plena crise da dívida soberana. A Conferência das Nações Unidas sobre Comércio e Desenvolvimento (UNCTAD) alertou que o mundo em desenvolvimento enfrenta uma “década perdida” como resultado da crise da dívida, estimando que apenas o serviço da dívida custará a esses Estados pelo menos US$ 800 bilhões.
Existem, é claro, diferenças notáveis nas situações econômicas e políticas dos países atualmente em débito ou à beira do débito. A situação de Gana é única, pois grande parte de sua dívida é devida a credores domésticos e não a credores internacionais. Sua inadimplência, portanto, corre o risco de criar um choque profundo no setor financeiro doméstico, que provavelmente repercutirá em todo o restante de sua economia.
O Sri Lanka, anteriormente um filho de ouro dos mercados financeiros internacionais devido ao seu forte histórico de pagamentos de dívidas, administrou mal suas negociações com os credores quando a crise econômica se tornou particularmente aguda. E países como Paquistão e Líbano, que também estão à beira da inadimplência, sofreram décadas de corrupção e má administração política.
Apesar de não se excluir a elite política doméstica do responsabilidade pelo agravamento da crise da dívida nos seus países, é crucial reconhecer os fatores globais que estão levando ao sobre-endividamento no mundo em desenvolvimento — um dos mais relevantes é a forma como o mundo rico está lidando com a sua própria crise econômica.
A crise inflacionária que começou a devastar a economia mundial desde o ano passado está sendo impulsionada por três fatores principais: a recuperação desigual da pandemia, a guerra na Ucrânia e — muitas vezes esquecido — o colapso climático. Essas não são questões que podem ser resolvidas brincando com o custo do empréstimo. No entanto, essa tem sido a resposta central dos formuladores de políticas.
Ao aumentar as taxas de juros, os banqueiros centrais esperam desacelerar o crescimento e o investimento, aumentando o desemprego e disciplinando os trabalhadores a aceitar salários menores.
“A ideia é que, embora os trabalhadores não tenham causado a crise, eles podem ser obrigados a pagar por ela.“
No entanto, na maior parte do mundo rico, os salários reais não estão conseguindo acompanhar a inflação, o que significa que a maioria dos trabalhadores enfrenta cortes salariais. Se os formuladores de políticas realmente quisessem conter a inflação, eles se concentrariam nos lucros, que em muitos setores dispararam mesmo com o aumento dos custos dos insumos.
Como argumentou enfaticamente a economista política Isabella Weber, grandes empresas aproveitaram a inflação para aumentar os preços acima de seus custos, embolsando a diferença.
Portanto, aumentos de juros não resolverão a crise inflacionária no mundo rico. No entanto, tornarão muito mais caro para os países pobres financiar suas dívidas. A política monetária seguida atualmente no mundo rico foi projetada para empobrecer os trabalhadores internamente, com a vantagem adicional de empobrecer os países pobres globalmente.
Nós já estivemos assim antes. Na década de 1980, quando o então presidente do Federal Reserve, Paul Volcker, disparou as taxas de juros dos EUA para disciplinar os trabalhadores americanos, isso levou a dezenas de calotes no Sul Global. O chamado choque de Volcker lançou as bases para o neoliberalismo nos Estados Unidos e, convenientemente, também forneceu o pretexto perfeito para impor políticas neoliberais no Sul Global.
Quando os países pobres foram forçados a recorrer a instituições financeiras internacionais para empréstimos de emergência, eles receberam essa assistência em troca da introdução de políticas como privatizações, desregulamentação e cortes de impostos. Os termos desses empréstimos — conhecidos como programas de ajuste estrutural — dizimaram muitas economias e aumentaram permanentemente a desigualdade em outras.
No entanto, nenhuma lição parece ter sido aprendida com a crise da dívida da década de 1980. Como países como Gana e Sri Lanka apelaram a instituições financeiras internacionais para obter assistência, eles foram forçados a introduzir políticas de austeridade que provavelmente restringirão o crescimento nos próximos anos.
Se a austeridade não funcionou no mundo rico, certamente não funcionará no mundo pobre, onde investimentos significativos em infraestrutura e serviços públicos são necessários para o desenvolvimento sustentável.
De fato, forçar os países pobres a cortar gastos em um momento em que grandes somas de dinheiro são necessárias para a descarbonização e a mitigação das mudanças climáticas provavelmente exacerbará tanto a crise climática quanto a desigualdade global.
O cancelamento da dívida é necessário com urgência para lidar com a crise da dívida global e a crise climática. Em vez de forçar os países a implementar medidas de austeridade regressivas e autodestrutivas em troca de empréstimos de emergência, novos empréstimos poderiam ser direcionados para investimentos em infraestrutura verde e mitigação climática — além de proteger importantes sumidouros de carbono, como florestas tropicais e tundras.
Mas, a longo prazo, nem mesmo o cancelamento da dívida será suficiente para diminuir a distância entre os mundos ricos e pobres. A razão pela qual os países pobres foram forçados a assumir tantas novas dívidas é que eles foram mantidos em uma posição de dependência em uma economia global estruturada para enriquecer os ricos e empobrecer os pobres.
Um sistema financeiro internacional extrativista, regras regressivas de propriedade intelectual e políticas neoliberais impostas negaram a muitos países pobres os recursos necessários para o desenvolvimento sustentável.
A China é, obviamente, a maior exceção a essa regra. Alcançou o desenvolvimento ignorando as regras impostas pelo Norte Global, protegendo a indústria e priorizando o investimento. Na verdade, a China é agora o maior credor individual de muitos países pobres, e sua atitude em relação à reestruturação da dívida — influenciada mais por considerações geopolíticas do que econômicas — terá um impacto significativo na forma como essa crise será resolvida.
Em um cenário otimista, os países pobres poderiam aproveitar o esfriamento das relações entre a China e o Ocidente para acessar empréstimos em condições mais favoráveis. Como já fizeram por meio do Movimento dos Não-Alinhados, os Estados pobres poderiam trabalhar juntos para resistir ao imperialismo e conseguir o cancelamento real da dívida.
Em um cenário pessimista, esses países serão pegos em meio à nova Guerra Fria. Os credores ocidentais podem se recusar a negociar com os chineses sobre como amortizar as dívidas dos países pobres, deixando esses Estados presos no limbo. Esta é exatamente a situação enfrentada atualmente por países como a Zâmbia, cujos credores não chegam a um acordo sobre sua dívida há vários anos.
Uma coisa é certa: a economia mundial não pode se recuperar totalmente até que a crise da dívida do Sul Global seja resolvida. Mas quando se trata de dívida, a política sempre supera a economia. O que acontecerá a seguir será determinado pelo que os políticos e formuladores de políticas na China e no Ocidente consideram ser de seu interesse, e não tendo maior probabilidade de promover o desenvolvimento sustentável.
Sobre os autores
escreve na Tribune Magazin e é apresentadora do podcast semanal A World to Win.